A mulher gorda e as mortes cotidianas

A mulher gorda e as mortes cotidianas

shelley

Há uns meses peguei o livro “As Esganadas”, de Jô Soares para ler (lembrando: isso não é uma propaganda do livro, até porque me incomodou o estereótipo da gorda gulosa que ele propõe e mais uma série de coisas), logo no início havia essa frase (que está aí em cima) de Shelley Bovey, escritora do Reino Unido, que me fez relembrar situações que vivi da infância à juventude, coisas que hoje em dia não passo mais, já que não morro diariamente por isto, mas elas são revividas constantemente como se me lembrassem que estou um pouco morta por pessoas e circunstâncias.

Enquanto mulher gorda, nós tentamos traçar nossa rotina normalmente, ir ao trabalho, caminhar, comer,  ir às festas com os amigos… Mas os sinais nos lembram o tempo todo que:

“Ei, você não é normal!”

“Este aqui não é seu lugar”

“Acho que você deveria emagrecer”

Vivemos em uma sociedade feita para e por pessoas magras, brancas, sem deficiência, cisgêneras e isso implica em que outros tipos de pessoas (e convenhamos, somos muitos) sejam excluídas do modelo de vida que foi construído por esse público dominante. É como se nos dissessem o tempo todo que precisamos nos adequar para caber exatamente naquele encaixe, ou caber, no caso da mulher gorda, naquela cadeira de plástico, sem medo de cair no chão, ou para um deficiente físico, que a cadeira dele deve caber naquele lugar específico no cinema, dedicado exclusivamente a ele, quando,  por sorte, existe  acessibilidade. “Fique na sua casa, não saia daí, o mundo não foi feito para você”, a gente ouve silenciosamente o tempo todo quando passamos por algumas situações como:

Pegar ônibus

Sentar ao lado de alguém (quando a pessoa não sai quando você senta), passar na catraca do ônibus e desejar não ficar entalada.

Andar/ correr na rua

O ato de sair de casa parece que incomoda os outros, não é? Só isso explica os comentários gordofóbicos “vê se emagrece” “olha o tamanho daquela menina” “Corre gordinha”, quando se ousa andar na rua. E só entregam aquele panfletinho da Herbalife para quem é gordo, afinal de contas, pressupõe-se que se estamos gordos, logo estamos tentando emagrecer o tempo todo.

Ir pra festas/encontros

Escolher uma roupa para sair já é um problema, isto quando há roupas para escolher, já que o mercado aparentemente só fabrica sacos de batata para quem é gorda, além de que toda pessoa gorda precisa ser rica, por que as ditas roupas plus sizes custam o dobro do preço de roupas lidas como normais. Sair de casa com o(a)s amigo(a)s magro(a)s, tentar paquerar em uma balada, mas você nunca faz o tipo de ninguém ali. Escolher algo pra comer ou petiscar e ouvir comentários de que aquilo vai lhe engordar “cuidaaaaaado! Você não acha que isso é muito não?” “Assim você não emagrece nunca”.

E não, gente, emagrecer NÃO soluciona problemas. O problema são as outras pessoas que criam.

É por isso que as pessoas gordas preferem ficar em casa. É mais confortável ver o mundo passando e sentir-se mais viva que tolerar as pequenas mortes diárias. Mas somos um movimento contra gordofobia, não é? É preciso deixar claro que nos matam diariamente para que tomem consciência do que acontece, mas, como movimento social, sei que é preciso resistir, é preciso sair de casa, viver e lembrar que sim, este mundo é feito para nós e precisamos criar nossos espaços e nos infiltrar em outros para que, um dia, as diferenças entre os seres humanos nos coloquem enquanto HUMANOS e não como anomalias sociais, porque a igualdade de acesso, de respeito e de amor é feita através dessas diferenças. Porque todas as pessoas tem o primeiro e mais necessário direito humano: o direito à vida. Então nos deixem viver, não queremos (e nem permitiremos) sermos mortas diariamente.

Desenho por: Negahamburguer http://www.negahamburguer.com/
Desenho por: Negahamburguer  http://www.negahamburguer.com/
Ser gorda dá trabalho??? E quando a gordofobia é empregada?

Ser gorda dá trabalho??? E quando a gordofobia é empregada?

trabalho

Desde 1995 que é  proibido por lei a exigência de “boa aparência”, entre outros pré requisitos considerados descriminatórios, para a candidatura à uma vaga de emprego. No entanto, embora abolida oficialmente, padrões estéticos costumam interferir nas seleções. Basta uma rápida busca no Google que encontraremos facilmente várias matérias onde profissionais de RH apontam a aparência como fator determinante para a contratação ou não de uma pessoa.

Infelizmente, a prática não se restringe ao setor privado. Vários candidatos aprovados em concurso público já tiveram sua posse negada após passarem por uma perícia médica que os considerou inaptos a exercer a função.  Como foi o caso de uma professora de Sociologia, de uma bióloga, e de uma diarista. Todas recorreram ao judiciário na tentativa de garantir as vagas para as quais se classificaram.

Como já tratamos em outros posts aqui no blog, há todo um discurso utilizado em nossa sociedade que associa pessoas gordas à falta de hábitos saudáveis, à patologização, à preguiça e consequentemente à baixa produtividade, enfim, pessoas gordas estão em desconformidade com os padrões estéticos.

E os problemas não param por aí. Após a admissão não são raras as situações onde pessoas (principalmente mulheres) são submetidas a situações constrangedoras que vão desde “brincadeirinhas inocentes” até humilhações explícitas. E basta uma reação para que se invoque o argumento de que aquele ato foi bem intencionado, que o autor estava preocupado apenas com nossa saúde. O que já estabelece um contraponto com o discurso propagado de forma ampla no meio corporativo, de que o pessoal não deve interferir no ambiente de trabalho.

O que é mais pessoal do que o corpo?

Profissionais devem ser avaliados a partir de sua formação, das vivências, experiências que podem de alguma forma contribuir para o desempenho das funções as quais se candidatam. E não pelo gênero, orientação sexual, existência de filhos ou intenção de tê-los, e muito menos pela aparência.

Apresentando a Tia do Feltro e As Gordas

Apresentando a Tia do Feltro e As Gordas

Hoje a gente quer apresentar para vocês uma ideia bem bacana que chegou até a gente. Fernanda, a Tia do Feltro, lá de Campo Grande (MS) faz um trabalho bem lindo. ❤ Bora saber mais?
Aproveita e depois dá uma passadinha lá na página dela!
Fala, Fernanda! 😀

 

12541057_1674748472768331_3979403523489149063_n
ain que fofa! 😀
“Me chamo Fernanda, sou formada em Artes Visuais, parei de dar aulas para ficar com minha filha. Comecei a fazer artesanato sem saber costurar, aprendendo com uma amiga e acabei criando o Tia do Feltro!
 
Comecei com coisas geeks, desenhos animados, bonecos personalizados, feitos a partir de fotos das pessoas. Os Mini Humanos. Os criei para minha filha levar eu e meu marido, para quando fosse dormir na casa da minha mãe, sentindo menos saudades nossas.
 
Agora com 7 anos, minha filha brincando com suas bonecas, parou e perguntou o por quê de nenhuma ser gorda. Bom, eu sou gorda, e por quê não fazer uma boneca com tamanho e cor real?
 
Fui e fiz a primeira, amei, depois a segunda, e agora estou aceitando encomendas para fazer cada mãe, tia, avó ou cada criança que seja com peso, altura ou cor diferentes das que as empresas fazem.”
12507497_1675868925989619_3321396418051123494_n
Linda, né?! ❤
Disney, eu também quero ser princesa!

Disney, eu também quero ser princesa!

princesas-disney

Desde pequena, sempre fui apaixonada por filmes da Disney, especialmente os de princesa. Sempre os assisti até saber todas as falas e músicas decoradas, e até hoje, com meus quase 24 anos, são filmes que fazem parte da minha rotina, e tenho sempre um carinho por eles, seja por seus ensinamentos ou apenas pela memória afetiva mesmo.

A primeira princesa foi Branca de Neve, em 1937. O ideal do imaginário feminino, princesa delicada, doméstica, passiva. E, como o nome já dizia, branca. Esse ideário foi repetido em diversas princesas que vieram nos anos seguintes, como Bela Adormecida, Cinderela.

A partir da década de 90, a Disney acompanhando de certa forma os avanços sociais, começou a chamada “Era da representatividade”, onde começamos a ver mudanças na imagem das princesas. E foi aí que começamos a ver indígenas, orientais, árabes. Foi a vez de Pocahontas, Fa Mulan, Jasmine. Uns dez anos depois, veio o “passo mais largo” com a nossa primeira princesa negra, Tiana (d’A Princesa e o Sapo). Além da mudança de imagem, a personalidade dessas princesas também mudou. Elas viraram princesas cada vez mais fortes, que salvavam seus príncipes, que salvavam seu país, que desafiavam os costumes da época. Ponto pra Disney!

Nos últimos anos, vieram as princesas ditas ~feministas~. Merida (Valente) termina seu filme solteira, a lindeza do Frozen fala do amor de irmã ser mais importante que o amor de um homem. Mais uma vez, ponto pra Disney! Mostra que mesmo que a passos lentos, vemos mensagens cada vez mais importantes sendo passadas nos filmes que, admitamos, influenciaram tanto nossa infância e continuam influenciando a vidinha de muitas menininhas por aí – e espero que continue por muitos anos, porque se um dia tiver filhas, quero que elas vejam os filmes da minha infância.

Mas aí você olha pra mim, e fala “Ok Adelis, esse blog não era sobre Disney. Porque você tá dando uma aula de princesas?”. E eu te conto agora mesmo. Por que uma das coisas mais importantes que todas essas mudanças nas princesas trouxeram pra vida foi a representatividade. Foi a menina poder ver no cinema, nos produtos, uma princesa com seu tom de cabelo, com seu tom de pele, com seu nariz.

E o que essas princesas todas tem em comum? Sejam elas brancas, negras, orientais, loiras, morenas? São todas magras. Inclusive, a cada ano mais magras. Mesmo com todo o boom da representatividade, a menina gordinha não vai se enxergar no filme. Ser gorda e ser princesa não combinam, a Disney manda a mensagem. E assim, vai ensinando desde a mais tenra idade que o cuidado com o peso, o olho na balança é uma coisa real!

1530336_233744560131571_1263422998_n
O artista brasileiro Edull redesenhou as princesas gordinhas, super modernas!

A gordura é vista como coisa ruim, literalmente. Basta lembrar que os personagens gordos que lembramos são todos vilões. É a Ursula, da Pequena Sereia, a Rainha de Copas, de Alice. Dessa forma, vamo lá perpetuando a mensagem.

Há uns anos, a Disney passou por diversas críticas por, na linha oficial das “Princesas” (linha comercial), além do tradicional trocar de vestidos, todas passaram por um embranquecimento (claro, as que já não eram brancas), e um “embelezamento”: afinaram, passaram maquiagem até na Pocahontas, domaram os cachos do cabelo da Merida. Depois de muitas críticas, a Disney cancelou essa mudança.

princesas-da-disney1-1024x717
Redesenho criticado das princesas em 2012, em que elas emagreceram, embranqueceram e afinaram os narizes.

Enfim, por mais que eu nunca tenha me sentido visualmente representada, um dos meus exercícios infantis na brincadeira de “ser princesa” era procurar alguma característica que eu pudesse me identificar e me encaixar. Era assim que eu “era” a Bela, da Bela e a Fera, por ela ser uma leitora compulsiva e ser “a única princesa que ganha uma biblioteca de presente”. Era o meu jeitinho de burlar.

tumblr_mz9o7hTWp61r1uuc8o2_500
“Minha amiga decidiu dar a todas uma princesa para sua festa temática da Disney, mas eu fiquei imaginando quem eu vou ser, porque eu sou a única gorda que não parece com nenhuma princesa”

Continuo acompanhando os lançamentos, e a próxima princesa será Moana, a primeira polinésia. Mais um avanço na representação! E pela sinopse da história, que sai esse ano, ela vai continuar na linha das princesas fortes, corajosas, decididas (como somos nós, mulheres!). Eu continuo acompanhando e continuo torcendo pra que, um dia, eu também possa ser (ainda mais) princesa. Disney, manda uma gordinha aí!

5 canais anti-gordofobia no Youtube

5 canais anti-gordofobia no Youtube

Nos últimos anos, a militância, nos mais diversos temas,  ganhou um novo ambiente de atuação, a nossa amada Internet <3. Nela, a comunicação pode ser estabelecida através de várias linguagens, como em texto, áudio, vídeo, imagens. E mais recentemente o vídeo vem ganhando muito espaço, por ser uma das linguagens mais atrativas e de simples compreensão, sendo o YouTube a plataforma mais utilizada. Aqui no As Gordas, apostamos no poder da escrita, mas em breve estaremos lá pelo Youtube também, inclusive já podem ir se inscrevendo no nosso  canal .

tumblr_mvy7t0PfIb1rw9bp3o1_1280

Por isso, no texto de hoje resolvemos trazer uma lista de canais anti-gordofobia e sobre autoestima para vocês conhecerem. Bora lá?!   

Coletivo Gordas Livres

Gordas Livres é um coletivo online que vem fazendo pequenos trabalhos em prol dos indivíduos gordos englobando as necessidades emocionais, físicas, psicológicas e também estéticas. Com intuito de reverter a lipofobia internalizada (aspectos pessoais) e também a coletiva para indivíduos não gordos dispostos a impulsionar a imagem positivava do gordo na sociedade.

Canal: https://www.youtube.com/channel/UCdw6sVO6qXumcEXewF2HAPQ

GorDivah No Ar

Se você também não aguenta mais gordofobia, este é seu canal. Vídeos bem humorados sobre as delícias e agruras de ser uma gorda blogueira/vlogueira/modeloXXL/ace Gray A.

Canal: https://www.youtube.com/channel/UCPCAcThQid6Rz1V2hCuVyBA

Gorda e Zen

Blog pessoal, mantido pela Tatiana Vieira sobre aceitação e autoestima.

Canal: https://www.youtube.com/channel/UCGV29-MYMqY3WLNX2uRmNqw  

Gorda de Boa

Canal da Jéssica Tauane (Canal das Bee) que diz: tem gente que é magro de ruim… já eu sou uma gorda de boa.

Canal: https://www.youtube.com/channel/UCORzZlM_fWAuCFc_TjEv9wg

Ju Romano

E para aquelas mais ligadas em moda, a dica é o canal da Ju Romano. 😉

Canal: https://www.youtube.com/channel/UC98OXziBFGRga3tQgUCOgcw

tumblr_nij9anrdYh1u8l9veo1_500

*As descrições foram retiradas dos próprios canais.

** Para conhecer as páginas no Facebook basta clicar nos nomes dos canais.

“Diga-me com quem andas, que direis quem és”: Pode se relacionar com pessoa gorda?

“Diga-me com quem andas, que direis quem és”: Pode se relacionar com pessoa gorda?

Estava, esses dias, conversando com minha cunhada, esposa do meu irmão mais velho, que é gordo. E ela me perguntou se eu não poderia escrever um texto sobre a pressão que ela sofre (o correto seria ela escrever ou até mesmo meu irmão). Me perguntei automaticamente qual pressão ela sofreria por conta de Thiago, meu irmão, e ela me respondeu logo em seguida um motivo que eu achei bem válido:

– É muito chato ter que ficar ouvindo questionamentos dos meus parentes que ficam me perguntando o motivo de eu ter casado logo com Thiago, que é gordo.

12506894_10208298526964817_665774778_n
        Estes são minha cunhada e meu irmão. 🙂

Fui pensar em outros relacionamentos e em outras coisas que se ouve durante a vida e que a pessoa gorda escuta passivamente, já que ela aparece, para quem faz esse tipo de comentário, sempre como um “acessório” de alguém magro. Isso me fez perceber como não só alguém não pode ser gordo, mas também ninguém pode se relacionar com uma pessoa gorda, porque isso a torna uma pessoa diferente:

“Porque você não dá um jeito nele?”

“Você bem que poderia aconselhar ele a fazer uma dieta”

“Você merecia coisa melhor”

Estes são alguns dos comentários que as pessoas magras que namoram, são família, são amigos, de pessoas gordas escutam durante a vida. A partir disso podemos perceber como as pessoas, de modo geral, sofrem com os respingos da gordofobia que cai sobre o(a) gordo(a). Estes respingos não são necessariamente e diretamente ligada ao corpo ou padrão de quem passa por isso, ou seja, namorada(o), irmã(o)s, pais, amigo(a)s. A sociedade anda tão preocupada com quem nós andamos e com quem nos relacionamentos, desnecessariamente, diga-se de passagem, que reverbera aquele velho ditado e os velhos preconceitos de que você é igual a quem você anda. Isso vale não só pra gordofobia, mas também pra comentários homofóbicos, lesbofóbicos, racistas, classistas, capacitistas, como a gente sempre procura ressaltar nos nossos textos.

Logo, se você se relaciona com alguém gordo ou: 1. Você merece alguém melhor, 2. Vai ficar igual a ele. Este, certamente, não é o maior problema da gordofobia, mas é importante. Eu sei que existe muita gente que acompanha o blog que não é gorda. E isso é importante também, pois precisamos deixar claro situações de preconceito que são “invisíveis”, visto que é tão naturalizado que só a pessoa gorda sente. Provavelmente, em algum momento, todos nós já ouvimos comentários como os que listei acima ou até pra quem é mãe ou pai, que ouve coisas do tipo: “Você não cuida da saúde da sua filha não?”.

Tais comentários, regulando, julgando ou se preocupado demais com a vida e os relacionamentos alheios (por motivos inúteis) faz com que quem se relaciona com pessoas gordas se sinta sim incomodada, pressionada e, obviamente, também faz muito mal à pessoa gorda, que se sente um objeto sendo carregado, sem vontades e escolhas próprias. Isto, inclusive, leva a algumas pessoas gordas a se tornarem mais solitárias por medo de julgamento, por não se acharem merecedoras da amizade ou amor alheio pelo modo como terceiros falam.

Pessoas gordas passam a vida toda ouvindo (mesmo que de forma subliminar) que devem ser ótimas, mais engraçadas, melhores de cama para compensar essa característica de ser gordo que os outros consideram como algo negativo por conta da gordofobia. As pessoas, muitas vezes, tendem a dizer que “devemos olhar além do fato de alguém ser gordo”. Mas não é assim. Devemos olhar as pessoas e suas características, seja ela qual for, ninguém é aquilo que está além. Nós somos isso. Corpo, carne, pensamentos, sorrisos, roupas. Então conviva, aprenda, ame quem você quiser da maneira que ela é, levando em consideração suas diferenças, porque são elas que nos constituem como seres humanos diferentes e únicos.

E pessoas magras: namorar alguém gordo(a) não lhe faz nem melhor (não se ache um ser especial que  vê mais ou melhor que os outros) e nem pior. Faz  de você apenas uma pessoa normal :).

1170929_1682798285294230_2210354379829748548_n

Mais uma vez: pelo fim da Gordice!

Mais uma vez: pelo fim da Gordice!

Diversos sites e blogs sobre gordofobia já falaram sobre isso, mas parece que não foi suficiente. Dando uma olhada rápida no instagram, logo somos expostas a diversas fotos de comidas com #gordice. Então, mais uma vez: parem de usar essa expressão! Mas por quê? Porque assim como “tuas nêga” é uma expressão racista, “gordice” e seus derivados é uma expressão gordofóbica.

gordice 3
Busca no Instagram

Ao usá-la você reduz toda a diversidade da população gorda, ao ato de comer. Quer dizer que magro também não come?! Quer dizer que gordo só come brigadeiro e magro só come alface?! Gordo come sim! Mas gordo também trabalha, namora, pratica esportes, vai ao cinema, ou seja, faz tudo que todas as pessoas fazem. Então porquê associar a pessoa gorda apenas à comida? Vamos parar, né?

Com um olhar mais minucioso, a gente repara também que a maioria dessas publicações, vem (Ó PASMEM) de pessoas MAGRAS. Engraçado, né? Fica fácil então perceber que se nós, gordas, não usamos esta expressão é porque ela não é legal. Então, cabe a vocês que não são gordos, que não sofrem gordofobia, entenderem e pararem.

Sem falar que quando usada esta expressão é carregada de culpa e arrependimento, transformando o ato de comer em algo ruim e que vai te fazer virar a pior coisa que você poderia ser: UMA GORDA. Quando você posta a foto de um brigadeiro com #gordice, você para pra pensar naquela pessoa gorda com compulsão alimentar que não come 1, mas 10 brigadeiros em uma tarde? Se você se mostra culpada e arrependida por comer 1 brigadeiro, nós gordas que comemos 10, temos que fazer o quê? Desaparecer do planeta?! Utilizzando esta linguagem você só contribui para o aumento de transtornos alimentares, tanto em pessoas gordas, quanto em pessoas magras.

Além desta expressão está espalhada nos perfis pessoais nas redes sociais afora, é comum ver também marcas e a mídia fazer uso dela. O que torna a coisa bem pior, devido o alcance ser maior. Jornalistas e meios de comunicação que na teoria deveriam ser responsáveis por tornar o mundo menos ignorante e preconceituoso através da informação acabam reproduzindo termos sem a menor preocupação em problematizá-los e analisar suas consequências.

gordice 2
Chamada do Portal G1

Então, fica aqui um pedido: da próxima vez que for postar foto com as amigas magras comendo hambúrguer com #gordice, pensa nisso, tá?!

Gordice-700x700
Imagem do site Beleza sem Tamanho
O drama do bracinho

O drama do bracinho

Um dos grandes complexos das mulheres com seus corpos é com relação aos braços. Braço bom é só aquele bracinho magrinho, fininho, de preferência só a pele e o osso. Não pode ser gordo. Nem pode ter músculo também, porque mulher musculosa, NOSSA, um horror né, não pode. Também não pode ser velho, ter aquela pelanquinha que o passar dos anos trouxe. Senhorinhas têm que esconder seus bracinhos e dar um tchauzinho contido, pra nada balançar.

Então só mulher magra e jovem, de bracinho fininho pode sair na rua despreocupada com blusa sem manga. Né não?

Bom, não.

Pessoas são diferentes, corpos são diferentes, braços são diferentes. Não existe um braço errado, não existe um braço certo. Braços gordos podem – e devem – desfilar por aí sem mangas, porque ninguém merece se esconder sob camadas de tecido nesse calor infernal.

braço
“Sem mangas e sem medo”

É meio surreal pensar que até pra nossos braços existem um padrão. Na verdade existe um padrão pra cada parte do nosso corpo, inventam que devemos ser assim ou assado, e se não somos desse jeito (Dica: ninguém é, nunca vai ser, porque o padrão é inatingível), inventam formas de chegar lá, ou pelo menos de continuar tentando.

A realidade é que esse padrão inalcançável existe porque mulheres satisfeitas com suas aparência e com seus corpos não geram lucro. Imagina quantas empresas de produtos de beleza e quantas clínicas estéticas iriam à falência se um belo dia todas as mulheres do mundo acordassem contentes com a sua aparência e não mais desejassem modificar, disfarçar ou esconder essa ou aquela parte do corpo? Manter mulheres infelizes e insatisfeitas dá dinheiro pra muita gente.

Naomi Wolf, uma escritora feminista estadounidense, escreveu um livro chamado “O Mito da beleza – Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres”. Nele, Naomi fala como esse padrão de beleza louco oprime as mulheres em seis campos: trabalho, cultura, religião, sexo, violência e fome.  Ela fala que:

“(…) a gordura na mulher é alvo de paixão pública, e as mulheres sentem culpa com relação à gordura, porque reconhecemos implicitamente que, sob o domínio do mito, os nossos corpos não pertencem a nós mas à sociedade, que a magreza não é uma questão de estética pessoal e que a fome é uma concessão social exigida pela comunidade. Uma fixação cultural na magreza feminina não é uma obsessão com a beleza feminina mas uma obsessão com a obediência feminina.”

De fato, uma mulher com fome, infeliz e preocupada com o próprio corpo é muito mais maleável, muito mais fácil de subjugar.

Nossos braços, como parte do nosso corpo, também sofrem com essa pressão pra se adequar a padrão ideal de magreza e juventude. Se você não se adequa, precisa escolher muito bem as roupas pra disfarçar o bracinho. nada de listras, use sempre uma manga longa ou 3/4, o mínimo de volume possível. Nossas opções são poucas. Muitas vezes deixamos de sair e se divertir porque não conseguimos achar nada que “disfarce” esse grande problema. E assim vamos nos privando do convívio social, de ocupar os espaços, vamos comprovando que o lugar de gente gorda é escondida em casa, onde ninguém nos veja.

Eu sei que não é fácil, que é um processo contínuo e muitas vezes doloroso, mas precisamos sair, precisamos ser vistas, precisamos mostrar nosso bracinho por aí, porque ele não é da conta de ninguém, e se alguém se incomoda com nosso braço gordo, ou velho, ou musculoso, ou caído, ou pelancudo, o problema é deles, não nosso. Liberdade aos bracinhos, porque o verão tá aí!

Eu sempre tive problemas com meus braços, mesmo no tempo que eu era magra. Há tempos que eu queria fazer uma tatuagem no braço e tava com um receio de pôr o bracinho pra fora, mas aí pensei que não vou esperar emagrecer pra fazer as coisas que eu quero e gosto, não vou viver esperando uma coisa no futuro que talvez nem venha. Decidi que vou viver agora e aproveitar a vida como eu sou, que é o melhor que eu posso ter. Nem todo dia o pensamento é positivo assim, mas vamos caminhando.

tatuagem
“Soy capaz, soy fuerte, soy invencible, SOY MUJER!”

Porque vai ter braço gordo tatuado SIM!

Quem quiser ler o livro completo de Naomi Wolf, aqui tem a obra completa em PDF: brasil.indymedia.org/…/2007/01/370737.pdf

Relato anônimo: sobre a dura fase da aceitação

Relato anônimo: sobre a dura fase da aceitação

Por Marcella Alencar e leitora anônima

Ultimamente temos recebido bastante mensagens: dicas de páginas, pessoas falando que gostam de nossa página, homens escrotos querendo marcar encontros (sim, ainda recebemos) e também os relatos que publicamos semanalmente. Esta semana o relato é anônimo justamente porque para nós, pessoas gordas, precisamos passar por uma árdua fase de aceitação e que nos deixa vulneráveis a muita coisa.

captura-de-tela-2015-06-02-c3a0s-01-57-53

Estamos diariamente tentando fazer com que nos sintamos bem e que percebamos que somos ALGUÉM. E em diversos momentos dessa nossa aceitação, aparecem pessoas e situações que nos fazem duvidas de quem nós somos. Ontem estava conversando com uma amiga que também faz parte desse blog e ela estava justamente falando que se sente hipócrita por, muitas vezes, não se sentir da forma que ela escreve, isso por conta do receio e a falta de vontade de ir para a praia com a família dela no ano novo:

“Meus tios me olham como se eu tivesse sarna. Não estou preparada psicologicamente pra lidar com isso ainda. A cada passo que eu dou, vão fazer comentários escrotos. E as pessoas não entendem. Não sabem como é lidar com isso.”

A gente prega tanto o empoderamento das mulheres gordas, mas parece que é difícil praticar de vez em quando, né? Pois é, gente. Não é fácil só chegar e falar: “faça isso, sua vida vai melhorar”. É como explorar um novo território, chegar em um campo que você desconhece e ir podando os sentimentos ruins e fertilizar os sentimentos bons, esperando que algum dia aquilo gere frutos – isso se ninguém de fora chegar e tentar destruir tudo aquilo que você tem tentado cultivar.

Por isso, persistam, insistam, se amem. Não é fácil para ninguém, mas um dia você vai acordar, se olhar e se sentir linda (digo isso por experiência), mas não se deixe abalar se um dia você acordar e se sentir mal consigo mesma. Levante, olhe e diga que aquilo você irá superar, como já superou uma vez.

E, abaixo, colo o relato da nossa leitora. Espero que sua fase dura de aceitação passe pra comemorarmos com você =)

Oi, boa noite. Eu gostaria de não ter meu nome publicado, acho que ainda estou passando pela dura fase da aceitação…

Desde pequena, nunca fui magra. Ouvi piadinhas desde que entrei na escola e até hoje. Auto estima sempre no chão, e as coisas só pioravam com o passar do tempo. De tentativas de suicídio até exclusão social, tudo que passei sempre foi, para minha família, “por culpa de uns quilinhos a mais”. O ápice pra mim foi quando comecei a frequentar psicólogos, falei da minha insegurança e ela disse “pq você não faz uma dieta?” Cara, acho que no fundo o que me fez largar a terapia foi isso. Estava insatisfeita? Sim. Mas nunca disse que era com meu corpo. Estava insatisfeita com meu pensamento, e hoje, ainda passando por metamorfoses, vou a cada dia mais me aceitando como sou. Não era meu corpo que precisava mudar e sim minha mente..”

Porque as mulheres devem falar de gordofobia?

Porque as mulheres devem falar de gordofobia?

im fat
Fonte: http://gordivah.blogspot.com.br/2015/10/cartazes-contra-gordofobia.html

Lembro que meses atrás postei no face 3 ou 4 frases, sobre sonhar com um mundo onde gordofobia não existiria e que uma gorda se amar não seria visto como uma afronta. Acho que não passou uma hora para uma conhecida responder que ela também sofria preconceito por ser “magrinha”, e que não adianta reclamar porque seja você gorda ou magra, sempre haverá quem critique nossa aparência.

Como eu ía explicar para ela que não era bem assim? Como eu poderia explicar o constrangimento de entrar em uma loja e ouvir da vendedora que nada do que era vendido lá provavelmente serviria em você? Como eu poderia explicar os olhares curiosos que são direcionados a você e seu prato em um restaurante self service? Como eu iria explicar que  ninguém deixa de ser contratado por ser magro, afinal, ser magro não é sinônimo de doença? Que eu nunca vi alguém associar magreza a desleixo e falta de amor próprio.

Eu não consegui explicar, na verdade nem respondi mais e me calei.

Relativizar um preconceito sofrido facilita a criação de uma invisibilidade e acaba gerando uma nova opressão. É o que chamamos de falsa simetria. Ou seja, quando você compara situações que aparentemente são parecidas, mas não avalia o contexto e os sujeitos nela envolvidos, e assim deixa de ver que as consequências delas são bastante distintos.

É inegável que a gordofobia atinge mais mulheres do que os homens, e para comprovar isso basta olhar as as pesquisas sobre transtornos alimentares como a anorexia e a bulimia, a grande maioria dos pacientes diagnosticados são mulheres.

De quem é cobrada as unhas feitas, o cabelos macio (de preferência liso e com nuances douradas), as roupas e acessórios que estão em moda na estação? Vamos comparar quantas fotos de mulheres e de homens “abdômen trincado” ou ainda a tal “barriga negativa” são divulgadas na internet com o tom de elogio? Quantas fotos encontramos nos portais de notícias onde as marcas de celulite um homem são tratadas como um defeito?

Não vou comparar a gordofobia ao racismo, lesbofobia, transfobia…. São opressões distintas, que alcançam mulheres de modos diferentes com várias repercussões e que tem que ser cada vez mais e mais debatidas.  

Crescemos ouvindo um discurso onde mulher tem que se cuidar, tem que estar bonita, ser meiga, educada, delicada e desejável. Somos objetificadas, e nos encarar como obras de arte lapidadas durante toda a vida para brindar a contemplação alheia com um espetáculo. Ser gorda, bate de frente com essa idealização. E afrontar o status quo sempre vai ter um preço. Ser mulher gorda é isso, é afrontar quem você nunca viu com a sua existência. E aí de você se não mostrar o mínimo de constrangimento ou culpa por isso, existir e andar por aí.

as gordas
Fonte: http8tracks.comaline-valekchega-de-gordofobia

Por isso a gordofobia deve ser debatida dentro do feminismo. O discurso que cria padrões de corpo são um dos mais utilizados para fragilizar mulheres. Desde de nossa infância somos atiradas nessa corrida maluca em busca de um corpo, de um padrão estético por vezes inalcançável. E todo este processo deixa marcas para físicas e psicólógicas que carregaremos por toda nossa vida.