Há uns meses peguei o livro “As Esganadas”, de Jô Soares para ler (lembrando: isso não é uma propaganda do livro, até porque me incomodou o estereótipo da gorda gulosa que ele propõe e mais uma série de coisas), logo no início havia essa frase (que está aí em cima) de Shelley Bovey, escritora do Reino Unido, que me fez relembrar situações que vivi da infância à juventude, coisas que hoje em dia não passo mais, já que não morro diariamente por isto, mas elas são revividas constantemente como se me lembrassem que estou um pouco morta por pessoas e circunstâncias.
Enquanto mulher gorda, nós tentamos traçar nossa rotina normalmente, ir ao trabalho, caminhar, comer, ir às festas com os amigos… Mas os sinais nos lembram o tempo todo que:
“Ei, você não é normal!”
“Este aqui não é seu lugar”
“Acho que você deveria emagrecer”
Vivemos em uma sociedade feita para e por pessoas magras, brancas, sem deficiência, cisgêneras e isso implica em que outros tipos de pessoas (e convenhamos, somos muitos) sejam excluídas do modelo de vida que foi construído por esse público dominante. É como se nos dissessem o tempo todo que precisamos nos adequar para caber exatamente naquele encaixe, ou caber, no caso da mulher gorda, naquela cadeira de plástico, sem medo de cair no chão, ou para um deficiente físico, que a cadeira dele deve caber naquele lugar específico no cinema, dedicado exclusivamente a ele, quando, por sorte, existe acessibilidade. “Fique na sua casa, não saia daí, o mundo não foi feito para você”, a gente ouve silenciosamente o tempo todo quando passamos por algumas situações como:
Pegar ônibus
Sentar ao lado de alguém (quando a pessoa não sai quando você senta), passar na catraca do ônibus e desejar não ficar entalada.
Andar/ correr na rua
O ato de sair de casa parece que incomoda os outros, não é? Só isso explica os comentários gordofóbicos “vê se emagrece” “olha o tamanho daquela menina” “Corre gordinha”, quando se ousa andar na rua. E só entregam aquele panfletinho da Herbalife para quem é gordo, afinal de contas, pressupõe-se que se estamos gordos, logo estamos tentando emagrecer o tempo todo.
Ir pra festas/encontros
Escolher uma roupa para sair já é um problema, isto quando há roupas para escolher, já que o mercado aparentemente só fabrica sacos de batata para quem é gorda, além de que toda pessoa gorda precisa ser rica, por que as ditas roupas plus sizes custam o dobro do preço de roupas lidas como normais. Sair de casa com o(a)s amigo(a)s magro(a)s, tentar paquerar em uma balada, mas você nunca faz o tipo de ninguém ali. Escolher algo pra comer ou petiscar e ouvir comentários de que aquilo vai lhe engordar “cuidaaaaaado! Você não acha que isso é muito não?” “Assim você não emagrece nunca”.
E não, gente, emagrecer NÃO soluciona problemas. O problema são as outras pessoas que criam.
É por isso que as pessoas gordas preferem ficar em casa. É mais confortável ver o mundo passando e sentir-se mais viva que tolerar as pequenas mortes diárias. Mas somos um movimento contra gordofobia, não é? É preciso deixar claro que nos matam diariamente para que tomem consciência do que acontece, mas, como movimento social, sei que é preciso resistir, é preciso sair de casa, viver e lembrar que sim, este mundo é feito para nós e precisamos criar nossos espaços e nos infiltrar em outros para que, um dia, as diferenças entre os seres humanos nos coloquem enquanto HUMANOS e não como anomalias sociais, porque a igualdade de acesso, de respeito e de amor é feita através dessas diferenças. Porque todas as pessoas tem o primeiro e mais necessário direito humano: o direito à vida. Então nos deixem viver, não queremos (e nem permitiremos) sermos mortas diariamente.